Artigo: Desdolarização da economia: é possível? é vantajoso para o Brasil?
Por Ana Cristina Franco Toledo – advogada
A menção, pelo Presidente Lula, da possibilidade de os países não utilizarem somente o dólar em suas transações comerciais causou rebuliço na imprensa e nas discussões empresariais. O espanto e reações temerosas de que tais declarações possam prejudicar a relação entre Brasil e Estados Unidos advém do fato de que estamos habituados a ter o dólar como moeda padrão das transações internacionais. Mas isso é bem recente na história mundial.
Se é fato que o comércio de mercadorias entre os povos teve início com base na troca de uma pela outra, com a intensificação do comércio, tais mercadorias passaram a ser simbolizadas por determinada quantidade de bens, sal, cevada, grãos, metais preciosos e posteriormente papel, e depois estes passaram a ser substituídos ou complementados pelo conceito de crédito e dívida, documentado desde a antiguidade.
Em todas essas etapas, as moedas se transformaram em um instrumento para poder político por parte das autoridades que as emitiam e controlavam.
A partir da consolidação dos impérios nacionais, ao fim da Idade Média, e com a ampliação das navegações e comércio internacional, houve a criação de um sistema monetário entre os países colonizadores da Europa, denominado padrão ouro, pelo qual tais países comprometeram-se a fixar o valor de sua moeda local com base em determinada quantidade de ouro. A Inglaterra, detentora, à época, das maiores reservas de ouro, foi o país que mais se beneficiou deste sistema, exercendo seu poderio econômico e político dele decorrentes desde o século XVI até a Primeira Guerra Mundial por meio do padrão libra-ouro.
Com a destruição, pela guerra, das economias europeias, os Estados Unidos surgiram como nova potência econômica, sendo que, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, houve a substituição do padrão libra-ouro pelo padrão dólar-ouro, mediante o acordo de Bretton Woods de 1944.
Com as crises econômicas posteriores, os próprios EUA aboliram unilateralmente a conversibilidade do dólar ao ouro em 1971, passando a adotar o regime de flutuação do dólar. Neste sistema, a moeda predominante, no caso, o dólar norte americano, é valorizada em razão da confiabilidade da economia do país emissor e da consequente procura, pelos demais países, em sua aquisição.
O fato de todo o comércio internacional estar atrelado ao dólar não é, portanto, um evento natural, mas sim decorrente de eventos políticos e econômicos que refletem a posição de liderança dos Estados Unidos como potência econômica e política mundial desde então.
Tendo em vista que esses processos de hegemonia são cíclicos (como aconteceu, por exemplo, com a Inglaterra no início do século XX), há a perda gradativa do poderio dos Estados Unidos nas relações internacionais, especialmente com a consolidação da China como uma das maiores economias mundiais e principal parceiro econômico dos EUA.
Adicionalmente, com as crises econômicas e políticas decorrentes da própria evolução da história, houve a criação de moedas comuns a determinados mercados, sendo o EURO o caso mais conhecido.
Tendo em vista todo o acima exposto, a proposta de se utilizar outras moedas para o comércio internacional, especialmente dentro de determinados grupos ou blocos econômicos, não é novidade e é decorrente da própria queda da credibilidade do dólar e dos EUA como potência mundial.
Essas práticas, no entanto, não ocorrerão imediatamente, visto que, a despeito das crises, o dólar dos Estados Unidos ainda é a moeda com maior estabilidade, junto ao EURO, à libra.
O que ocorreu recentemente na viagem do presidente Lula à China foi a formalização de um acordo que permite as transações entre as empresas dos dois países diretamente entre reais e yuan. Este acordo pode ser ampliado para todos os membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Se as empresas não quiserem utilizar tal paridade, esse acordo sequer terá eficácia prática. Se houver, no entanto, um crescimento nas operações de comércio bilateral entre Brasil e China lastreadas diretamente em moedas locais, como aprovado agora, pode haver um resultado natural do fortalecimento desse mecanismo no longo prazo.
Como ocorreu com a Inglaterra e Estados Unidos, se o yuan vier a ser adotado como moeda forte para transações comerciais, também o poder político e de influência da China aumentará, e vice-versa (a moeda chinesa será fortalecida em decorrência do aumento do poder econômico da China). No cenário político e econômico atual, em que há certa retração dos EUA e a expansão da economia da China, será mais comum que outros países também busquem alternativas ao dólar.
Nesse sentido, ter esse tipo de alternativa disponível pode ser benéfico para o Brasil e para os empresários brasileiros.
O importante, em qualquer cenário, é conhecer os mecanismos, saber as razões pelas quais eles existem e avaliar a realidade econômica que está se desenvolvendo.